sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Análise: O Primeiro Poema

 
O primeiro poema:
O menino foi andando na beira do rio
E achou uma voz sem boca. A voz era azul.
Difícil foi achar a boca que falasse azul. Tinha um índio terena que disque Falava azul.
Mas ele morava longe.
E na beira de um rio que era longe. Mas o índio só aparecia de tarde.
o menino achou o índio e a boca era
Bem normal.
Só que o índio usava um apito de Chamar perdiz que dava um canto Azul.
Era que a perdiz atendia ao chamado
Pela cor e não pelo canto. A perdiz atendia pelo azul
 

(em Menino do Mato, 2010)


Esse poema começa curiosamente: Apesar de ser o último poema do livro "Menino do Mato", inicia-se com o verso "O primeiro poema", em itálico. É uma narrativa poética, em que Manoel de Barros evoca imagens da natureza para contar a história de um menino, eu-lírico, e seu aprendizado com os sons da natureza. Esse poema traz os principais elementos que são essencialmente característicos da obra de Barros. Há claros traços de oralidade, como por exemplo em disque (uma expressão popular, que indica algo como "Ouvi dizer que...", ou "dizem por aí que..."), além de um modo de compor o poema como quem conta uma história, com quebras em momentos específicos de oralidade, por exemplo.
Quando conta sobre a voz sem boca, e afirma a voz ser "azul", o autor usa de sua tendência a recorrer à linguagem e vocabulário infantil para explicar o mundo: Faz uso da inventividade inerente à criança, que ainda não classifica azul como apenas uma denominação de cor, mas como um adjetivo em aberto, passível de descrever diversas impressões e sensações. Essa é outra marca importante da poesia de Barros, que acha que a voz dos poetas está nas crianças e em outras minorias sociais, e usando seu ponto de vista recria a realidade e tira a visão de mundo do leitor da obviedade. O azul, até aqui, pode simbolizar diversas sensações experimentadas por um menino quando em contato com a natureza.
Ao longo da estória, o menino encontra alguém que "fale azul", um índio (nacionalismo e uso de figuras do imaginário brasileiro, um elemento importante na poesia de autores da vanguarda modernista, como Barros) que tem uma boca "bem normal". Ao descobrir que o índio não fala azul, mas sim tem um apito que produz esse canto, fica evidente que o som azul trata do canto da perdiz. O fato de a perdiz atender pela cor remete à ideia de resconstruir o sentido comum da palavra, e possivelmente ressignifica-lo, uma vez que o som é pragmaticamente apenas um conjunto de ondas sonoras. Ou seja, dizer "canto da perdiz" se refere apenas ao som produzido pela ave. A "voz azul" pode envolver a beleza do canto, a relação sinestésica entre esse canto e o menino, e a sensação/necessidade de com ele se comunicar - afinal, é movido por ela é que o eu-lírico procura o índio.
Desse modo, o autor provoca, através da palavra, o repensar na relação com a natureza, além do repensar no próprio uso das palavras e da linguagem como um todo, no sentido de abrir e reconstruir significações e restritividade do uso da língua, principalmente escrita.

Cantigas por um passarinho à toa

 
Neste livro, Manoel de Barros se une à artista plástica Martha Barros, numa dobradinha familiar. É a própria filha do escritor a responsável por transformar seus versos em imagens, levando o trabalho do poeta do pantanal ao público infantil. Os versos ganham forma, força e cor no traço da ilustradora. 'Cantigas por um passarinho à toa' apresenta uma oportunidade imperdível de apresentar às crianças a obra de um dos mais importantes poetas da literatura brasileira contemporânea. Martha Barros colabora, conseguindo o impressionante feito de desenhar os poemas infantis de Manoel. O resultado emociona pela beleza das imagens e delicadeza da poesia dedicada aos pequenos. (Fonte: Google Books)

Nesse vídeo é possível acompanhar, em formato de áudio, uma narração da história, numa iniciativa do Ministério da Cultura.