
Manoel se destaca, principalmente, por ter construído uma linguagem inovadora, cheia de neologismos que homenageiam o modo de falar colóquio-rural, marcado pela oralidade - modo de fazer poesia essencialmente característico à obra modernista. Devido ao uso muito forte de marcas de oralidade na linguagem escrita, Manoel de Barros costuma ser muito comparado com Guimarães Rosa, uma vez que ambos, um na poesia e o outro na prosa, levaram as ideias que Oswald de Andrade expressava em seu "Manifesto Antropofágico".
Além do fato de sua produção poética tem uma negação tanto à retórica quanto à erudição linguística, ele mostra também uma negação ao lugar comum também no conteúdo de seus poemas. Manoel constrói sua obra a partir de elementos residuais, considerados sobras ou restos pela sociedade em que vive. Elege para protagonizar sua poesia objetos e conceitos sem valor de troca, desconsiderados pelo leitor (por exemplo: latas, a parede, morcegos, parafusos velhos, etc.). O próprio autor reconhece esse traço em sua obra:
Meu desagero
é de ser
fascinado por trastes.
(Manoel de Barros - Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo. 2001)
Dentre os renegados, ou aqueles cujo discurso não é legitimado socialmente, está a criança, um ser que permeia boa parte da obra de Manoel de Barros. O autor vê na linguagem infantil diversas possibilidades, que incluem, além de seu uso para ampliar o mundo (tanto o real quanto o imaginário), considerando que a criança se utiliza da linguagem para recriar e transfigurar a realidade, também as deslimitações que elas tem com o seu uso. A transcrição do poema abaixo, retirado da obra do autor, ilustra o que pensava o autor da forma como as crianças usam a língua.
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá,
Onde a criança diz: eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
Funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,que é a voz de fazer
nascimentos-
O verbo tem que pegar delírio.
(Manoel de Barros - O livro das ignorãças. 1993)
A partir da leitura desse poema, pode-se notar que Manoel não apenas legitima a forma de a criança falar, como a exalta. Aqui ele reconhece na criança não um ser incompetente ou sem conhecimento de mundo, mas justamente um indivíduo ainda não corrompido pelas certezas sociais, e portanto aberto para a inventividade e a transgressão. Quando o eu lírico cita uma criança que diz "eu escuto a cor dos passarinhos", ele usa sinestesia, uma vez que não podemos escutar a cor dos pássaros. Logo, o delírio do verbo se refere à apropriação pouco madura feita pela criança, que ainda não domina a função do verbo “escutar”. Ele, no entanto, reconhece o 'delírio' infante como uma possibilidade a ser explorada, e não a ser podada. Assim, em seus poemas, a criança tem a liberdade de brincar com as palavras, reinventando-as e dando a elas novos sentidos. Aqui, a suposta sabedoria didatizada dos adultos vem apenas para atrapalhar, desencorajando esse mundo de possibilidade aberto pela inventividade da criança.
Portanto, a partir do momento em que Manoel, em sua obra, rompe com a norma culta da língua, utilizando o linguajar infantil e o modo da criança falar, considerado impróprio, para compor sua arte, é possível deduzir que muito de sua obra se tornou acessível às próprias crianças. Sua obra está muito inserida no imaginário infantil, e se coloca dentro do mundo delas, que podem apreciar de diversas formas, a poesia de Manoel de Barros.
Obra inclui: Poemas concebidos sem pecado (1937), Face Imóvel (1942), Poesias (1956), Compêndio para uso dos pássaros (1960), Gramática expositiva do chão (1966), Matéria de poesia (1974), Arranjos para assobio (1980), Livro de pré-coisa (1985), O guardador das águas (1989), Gramática expositiva do chão: Poesia quase toda (1990), Concerto a céu aberto para solos de aves (1993), O Livro das ignorãças (1993), Livro sobre nada (1996), Das Buch der Unwissenheiten (1996), Retrato do artista quando coisa (1998), Ensaios Fotográficos (2000), Exercícios de ser criança (2000), Encantador de palavras (2000), O fazedor de amanhecer (2001), Tratado geral das grandezas do ínfimo (2001), Águas (2001), Para encontrar o azul eu uso pássaros (2003), Cantigas para um passarinho À toa (2003), Les paroles sans limite (2003), Todo lo que no invento es falso (2003), Poemas Rupestres (2004), Riba del dessemblar (2005), Memórias inventadas I (2005), Memórias inventadas II (2006), Memórias inventadas III (2007), Menino do mato (2010), Poesias Completas (2010)
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